A pandemia da COVID-19 acelerou muitas micro tendências de transformação que rodeavam os modelos social, político e econômico da humanidade até o ano de 2019. Elas estavam evoluindo lentamente, represadas por estruturas de sucesso desenvolvidas no século XX e que já não faziam sentido no mundo após a revolução tecnológica, que desafiou os limites de tempo e espaço, democratizou a informação e abriu perspectivas para realizações humanas que só existiam nos sonhos de artistas e pensadores visionários.
Dentro desse contexto, surgiu no início dos anos 2000 , em uma conferência liderada por Kofi Annan, secretário-geral das Organização das Nações Unidas (ONU), um relatório intitulado Who Cares Win, que citava a sigla ESG (environmental, social and governance). Essa sigla passou a orientar empresas privadas e organizações em geral na implementação de boas práticas ambientais, sociais e de governança. Para tornar o ESG uma realidade, grandes instituições financeiras foram provocadas a investir, preferencialmente, em empresas que adotem as diretrizes ESG.
Assim, títulos com a temática ESG vêm crescendo no mercado financeiro e em 2020 o mundo chegou a arrecadar US$ 490 bilhões com esses papéis. Já em 2021 esse valor atingiu US$1 trilhão. Por esse motivo, as questões sociais, ambientais e de governança, passaram a ocupar um grande espaço na agenda das organizações, já que os grandes investidores passaram a avaliar as diferentes organizações sob a ótica do ESG.
Mas, como adequar as empresas privadas aos critérios ESG rapidamente, se esses aspectos exigem uma série de técnicas e processos mais afeitos às organizações sem fins econômicos?
Isso exige um reposicionamento não só do corpo operacional, mas de toda a liderança das empresas para um novo, e complexo, modelo de negócios. Além disso, o ESG exige ações dentro e fora da empresa, com colaboradores, fornecedores, clientes e comunidades.
Onde buscar boas práticas e processos já testados de ações com impactos positivos nas áreas social, ambiental e de governança?
Na governança organizacional, muito tem sido testado nas empresas e já existe suficiente conhecimento para um “benchmark” capaz de servir como base para a customização dessas boas práticas.
Mas, onde buscar uma base de processos de impactos positivos já testados para as áreas social e ambiental?
E é aí que as organizações da sociedade civil, também chamadas ONGs, ganham uma importância inestimável para a área privada. No Brasil existem inúmeras ONGs que vêm realizando muitos trabalhos de impacto positivo nas áreas sociais (incluindo educação, saúde e inserção) e ambientais. Todos os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), constantes da Agenda 2030 (ONU), têm sofrido impactos positivos através dos incansáveis trabalhos de muitas ONGs.
No entanto, pela escassez de recursos, principalmente durante a pandemia da COVID-19, essas organizações sem fins econômicos dificilmente conseguem escalar suas ações a ponto de torná-las um movimento de transformação radical em direção às metas do ODS.
Desse modo, as empresas poderão buscar experiências exitosas de ações sociais e ambientais nas ONGs e adaptá-las aos seus objetivos institucionais. Elas poderão treinar seus stakeholders, mostrando a rotina das práticas que desenvolvem nas diferentes comunidades e motivá-los a engajarem-se em seus projetos socioambientais.
Essa associação entre empresas e ONGs resolverá dois problemas urgentes: para a área privada o estabelecimento rápido dos critérios ESG e para as ONGs a possibilidade de escalar seus projetos, com maior impacto positivo na sociedade.
Mas, como seria a relação entre essas áreas para que as empresas recebam de forma estruturada os conhecimentos e experiências práticas das ONGs e como estas podem assegurar que a aplicação de seus projetos pela área privada não sofrerão distorções em seu propósito?
Nossa proposta para essa relação é a utilização de uma estrutura bem conhecida pela área privada, mas pouco utilizada na área das ONGs: o “franchising”.
Embora tenha sido introduzida na legislação das franquias no Brasil no dia 26 de março de 2020 (Nova Lei de Franquias – Lei n° 13.966/2019, que revogou e substituiu a Lei nº 8.955/94), muitas ONGs já desenvolviam seus projetos através das chamadas Franquias Sociais desde o final dos anos 1990.
Com a franquia social, a organização criadora do projeto (franqueadora) terá mais controle sobre a execução de seu projeto por parceiros, garantindo a qualidade, já que ela pode estabelecer algumas regras no contrato de franquia. O parceiro franqueado, por sua vez, ampliará a escala e o potencial de crescimento do projeto, através da implantação dos critérios ESG em sua empresa. Além disso, a franquia social exige que a ONG franqueadora organize seus conhecimentos e experiências que serão repassados à empresa franqueadora. Esta, por sua vez, ao ampliar o alcance dos projetos, trará sugestões de inovações que poderão ser usadas para melhorar o projeto e sua infraestrutura.
A franquia social não foi idealizada para dar lucro com o sentido utilizado no contexto das empresas privadas, mas ela deve ser uma operação financeira superavitária, ou seja, deve ter mais receitas que despesas, para poder viver dos próprios recursos, ser autossustentável e poder investir nesse e em outros projetos sociais.
Lembrar que muitas ONGs desenvolvem projetos de grande impacto nas áreas social e ambiental onde, até hoje, nem governos, nem empresas privadas, mantém processos permanentes para solucionar problemas e implementar inovações.
O conhecimento adquirido pelas ONGs no Brasil, faz de muitas delas um exemplo de perseverança, resiliência e criatividade pelo tanto que conseguem de impactos positivos com tão poucos recursos. Sem elas, boa parte da população brasileira menos favorecida economicamente não teria educação, saúde, formação profissional, inclusão digital, cursos de língua inglesa, alimentação e saneamento básico. Também não teríamos regeneração ambiental e uma vigilância incansável na preservação dos biomas e no comportamento de representantes políticos e governantes visando à manutenção de nossa democracia.
Há muitos exemplos de franquias sociais de sucesso no Brasil, mas ainda pouco divulgadas. Por isso, não podemos definir essa proposta para esse momento das empresas como inovadoras. Mas, sem dúvida, pode ser uma solução rápida, relativamente simples e de baixo custo para as empresas brasileiras adequarem-se aos critérios ESG e pleitearem financiamento desses novos fundos milionários que pretendem ajudar na regeneração e preservação ambiental e numa melhor distribuição das riquezas produzidas pela sociedade humana.
A franquia social poderá acelerar em muito os processos de ajuste das empresas ao ESG, sem que elas precisem começar do zero e “reinventar a roda”.